Fernando Azevedo

Poema

Quando a folha é um abismo branco,

Um mar que nos bate ferozmente.

O silêncio a germinar sílabas.

É também como um grito de guerra vindo de muito longe.

Descobrem-se alturas e profundas grutas,

Despenhadeiros de sentir e pensar.

Algo sempre inconcluso nos atravessa a alma,

Como se o final apetecido apenas um novo início.

Assim somos trespassados pelas nossas próprias flechas do tempo.

E uma dor, e um sorriso.

O indefinido da memória

A querer registar perenemente.

A impossibilidade.

Porque esta arte não constrói estátuas nem monumentos.

Apenas um fio de saliva escorre do primeiro raio de sol.

Oh, tão pouco!...

Mas que fazer?...

A ditadura tépida faz-nos avançar

Num percurso cuja rota é o desconhecido,

Embora certos de que uma verdade possa ser algures anunciada.

Depois, o desalento.

E a escrita é melancólica

E as palavras nunca bastam…

A ágora está repleta de gente atordoada!

Temos que apregoar urgente uma mensagem!

Mas tudo é tão evaporante…

Ponto final.

E não mais sonhos, e não mais devaneios, e não mais futilidades...

Há que saber parar!

Atirar o poema rasgado para o incerto ar,

Não mais escrever, começar a falar!...

A ágora repleta começa a ondular.